Respostas de Oscar Wilde aos promotores

SIR EDWARD CARSON: Escute, Senhor. Aqui está uma das Frases e Filosofias para Uso dos Jovens, para o qual o Senhor contribuiu: “A perversidade é um mito inventado pelas pessoas de bem para explicar a curiosa atração de outros”. O Senhor pensa que isto é verdade?

WILDE: Raramente penso que qualquer coisa que eu escreva seja verdade.

CARSON. “As religiões morrem quando se demonstram verdadeiras”. Isso é verdade?

WILDE: Sim; sustento isso. É uma sugestão que vai na direção de uma filosofia da absorção da religião pela ciência, mas se trata de uma questão demasiadamente ampla para ser explorada agora.

CARSON: O Senhor pensa que se trata de um axioma inquestionável para ser apresentatado aos jovens?

WILDE: Extremamente estimulante.

CARSON: “Se a gente diz a verdade, é certo que, mais cedo ou mais tarde, a gente será descoberto”?

WILDE: Trata-se de um paradoxo divertido, mas não o tenho em grande conta como axioma.

CARSON: É bom para os jovens?

WILDE: Qualquer coisa que estimule o pensamento é bom, em qualquer idade.

CARSON: Seja isso moral ou imoral?

WILDE: Não há nada que seja moral ou imoral no pensamento. O que existe são emoções imorais.

CARSON: “O prazer é a única coisa pela qual se deve viver”?

WILDE: Penso que a própria realização é o supremo fim da vida, e se realizar por meio do prazer é mais refinado que fazê-lo por meio da dor. Estou, nesse ponto, inteiramente com os antigos – os gregos. Trata-se de uma idéia pagã.

CARSON: “Uma verdade deixa de ser verdade quando mais de uma pessoa acredita nela”?

WILDE: Perfeitamente. Essa seria minha definição metafísica da verdade; algo tão pessoal que a mesma verdade nunca poderá ser entretida por duas mentes.

CARSON: “A condição da perfeição é a ociosidade: o objetivo da perfeição é a juventude”?

WILDE: Oh, sim; é o que penso. A metade disso é verdade. A vida de contemplação é a vida mais elevada, e é assim reconhecida pelo filósofo.

CARSON: “Há algo trágico sobre o enorme número de jovens que existem, neste momento, na Inglaterra, que começam a vida com perfeitos perfis, e acabam adotando alguma profissão útil”?

WILDE: Acredito que os jovens têm suficiente senso de humor.

CARSON: O Senhor pensa que é isto é humorístico?

WILDE: Penso que se trata de um paradoxo divertido, um divertido jogo de palavras.

CARSON: O Senhor é da opinião, creio, de que não existe isso de um livro imoral.

WILDE: Sim.

CARSON: Posso pressupor que o Senhor acha que O Padre e o acólito não é imoral?

WILDE: Pior; trata-se de um livro mal escrito.

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CARSON: Isto está na sua introdução ao Retrato de Dorian Gray: “Não existe isso de um livro moral ou imoral. Os livros são bem escritos ou mal escritos”. Isso expressa sua visão?

WILDE: Minha visão da arte, sim.

CARSON: Posso supor, então, que não importa quão imoral seja um livro, se for bem escrito, será, em sua opinião, um bom livro?

WILDE: Sim, se for bem escrito de modo a produzir um sentimento de beleza, que é o mais elevado sentimento de que um ser humano pode ser capaz. Se for mal escrito, produzirá um sentimento de desprazer.

CARSON: Então, um livro bem escrito que expresse opiniões morais pervertidas pode ser um bom livro?

WILDE: Uma obra de arte nunca expressa opiniões. Opiniões são próprias de pessoas que não são artistas.

CARSON: Um romance pervertido pode ser um bom livro?

WILDE: Desconheço o que o Senhor entende por romance “pervertido”.

CARSON: Então posso sugerir que Dorian Gray está sujeito a ser interpretado como um romance desse tipo?

WILDE: Só o poderia ser para toscos e ignorantes. As opiniões dos filisteus em matéria de arte são incalculavelmente idiotas.

CARSON: Uma pessoa ignorante que lesse Dorian Gray poderia considerá-lo um romance desse tipo?

WILDE: As opiniões dos ignorantes em arte não contam. Estou preocupado apenas com minha visão do que seja arte. Não dou dois vinténs para o que outras pessoas pensam dela.

CARSON: A maioria das pessoas se ajustaria à sua definição de filisteus e ignorantes?

WILDE: Tenho encontrado maravilhosas exceções.

CARSON: O Senhor pensa que a maioria das pessoas se situa na posição que o Senhor nos está dando?

WILDE: Temo que elas não são suficientemente cultivadas.

CARSON: Não suficientemente cultivadas para fazer a distinção entre um bom livro e um mau livro?

WILDE: Certamente não.

CARSON: O afeto e o amor do artista por Dorian Gray pode levar um indivíduo comum a acreditar que o romance pode ter uma certa tendenciosidade?

WILDE: Desconheço a opinião dos indivíduos comuns.

CARSON: O Senhor fez alguma coisa para impedir que o indivíduo comum comprasse seus livros?

WILDE: Nunca desestimulei a não fazê-lo.

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CARSON: […] O Senhor alguma vez adorou um jovem loucamente?

WILDE: Não; não loucamente. Prefiro o amor; trata-se de algo mais elevado.

CARSON: Deixemos isso de lado. Vamos ficar no nível em que estamos agora.

WILDE: Nunca prestei adoração a qualquer outra pessoa que não a mim mesmo.

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WILDE [respondendo à leitura que tinha sido feita de uma carta dele para Lord Alfred Douglas] […]: Acho que é uma bela carta. Trata-se de um poema. Eu não estava escrevendo uma carta comum. O Senhor poderia, igualmente, me perguntar se Rei Lear ou um soneto de Shakespeare é apropriado.

CARSON: E deixando a arte de lado, Senhor Wilde?

WILDE: Não posso responder deixando a arte de lado.

CARSON: Suponha que um homem que não fosse um artista tivesse escrito esta carta. O Senhor diria que se trata de uma carta apropriada?

WILDE: Um homem que não fosse um artista não poderia ter escrito esta carta.

CARSON: Por quê?

WILDE: Porque nenhuma outra pessoa, a não ser um artista, poderia tê-la escrito. Ele certamente não poderia escrever nessa linguagem a não ser que fosse um homem de letras.

CARSON: Posso sugerir, em nome de sua reputação, que não há nada de maravilhoso na expressão “seus rubros lábios da cor de pétalas de rosa”.

WILDE: Isso depende muito da maneira como é lido.

CARSON: “Sua esbelta e dourada alma transita entre a paixão e a poesia”. Trata-se de uma frase bonita?

WILDE: Não da maneira como o Senhor a lê, Senhor Carson. O Senhor lê muito mal.

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CARSON [após ter lido outra carta Wilde-Douglas]: Trata-se de uma carta ordinária?

WILDE: Tudo que escrevo é extraordinário. Não me posiciono como uma pessoa ordinária, graças a deus! […]

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CARSON: A conversa de Alphonse Conway era literária?

WILDE: Pelo contrário, era compreendida de forma muito simples e fácil. Ele freqüentou a escola, na qual, obviamente, não aprendeu muito.

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CARSON: O Senhor toma champanhe?

WILDE: Sim; champanhe gelada é uma de minhas bebidas preferidas – contra a enérgica recomendação de meu médico.

CARSON: Deixemos as recomendações de seu médico de lado, Senhor!

WILDE: Nunca faço isso.

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CHARLES GILL: O Senhor deu belos presentes a todos esses garotões?

WILDE: Desculpe-me, discordo. Dei a dois ou três deles uma cigarreira. Garotos dessa classe fumam muito. Tenho um fraco por presentear meus conhecidos com cigarreiras.

GILL: Trata-se de um hábito bem caro, se indiscriminadamente cultivado, não é mesmo?

WILDE: Menos extravagante do que dar ligas de meias enfeitadas de jóias a senhoras!

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GILL: O que é o “Amor que não ousa dizer seu nome?”

WILDE: Neste século, “O amor que não ousa dizer seu nome” é o enorme afeto de um homem mais velho por um mais jovem, tal como o que houve entre Davi e Jonas, tal como o que constituiu a base mesma da filosofia de Platão, e tal como se pode encontrar nos sonetos de Michelangelo e Shakespeare. Trata-se daquele afeto profundo e espiritual que é tão puro quanto perfeito. Ele dita e perpassa grandes obras de arte tais como as de Michelangelo e Shakespeare, e aquelas duas cartas de minha autoria, do jeito que foram escritas. Neste século, ele é de tal forma mal compreendido que pode ser descrito como “O amor que não ousa dizer seu nome”, e por causa dele estou colocado onde estou agora. É belo, é refinado, é a forma mais nobre de afeição. Não há nada de pouco natural nisso. É intelectual, e existe, repetidamente, entre um homem mais velho e um homem mais jovem, quando o homem mais velho tem inteligência, e o homem mais novo tem toda a alegria, toda a esperança e todo o glamour da vida à sua frente. Ocorre que o mundo não o compreende. O mundo ri-se dele e, algumas vezes, coloca uma pessoa no pelourinho por causa dele.

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GILL: Gostaria de chamar sua atenção para o estilo de sua correspondência com Lord Alfred Douglas.

WILDE: Estou pronto. Jamais me envergonho do estilo de meus escritos…

GILL: O Senhor acha que um ser ordinariamente constituído dirigiria tais expressões a um homem mais jovem?

WILDE: Não sou, felizmente, acho, um ser humano ordinariamente constituído.

* Edward Carson e Charles Gill eram os advogados de acusação.

[Tradução: Tomaz Tadeu. In Ralph Keys, The Wit & Wisdom of Oscar Wilde, Nova York, Gramercy Books, p. 152-158].

 

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